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Eles, os herdeiros
N
ão é a primeira e não será a última vez que leremos em jornais e revistas algo sobre de-
savenças que envolvem herdeiros e a obra de seus antecessores. Em uma discussão
que passa pelo importante tema das limitações legais aos direitos autorais, a bola da
vez parece ser Giuliano Manfredini, flho de Renato Russo e representante da Legião Urbana
Produções Artísticas Ltda.
Desde 1987 a empresa é detentora do direito de uso da marca Legião Urbana, bem como é a
editora que responde pelas composições de Renato Russo, ou seja, se alguém pretende utili-
zar amarca ou uma das canções é à LegiãoUrbana Produções Artísticas que deve se reportar.
Até aí, nada de mais. É assim que funciona, se eu quero, por exemplo, utilizar uma canção
como trilha de um vídeo que venha a produzir, preciso de autorização e, provavelmente
pagarei por este uso. Claro, nada demais desde que tudo (valores e burocracias) corra
dentro do bom senso e da legalidade.
A última controvérsia envolvendo Giuliano e a obra do pai foi o pedido para que fosse
“removido da internet” (entre aspas pois sabemos que uma vez na internet, sempre na
internet) um vídeo humorístico que conta a história de vida de Silvio Santos através de
uma paródia baseada em “Faroeste Caboclo”, canção composta por Renato e que, bem,
dispensa maiores apresentações. O vídeo, produzido pelo empresáriomineiro Pedro Gua-
dalupe já conta com quase 200 mil visualizações no YouTube, número que, se não corres-
ponde exatamente a um sucesso estrondoso, também não é algo a ser desprezado.
Tendo conhecimento das vontades de ambos os lados neste (desculpem o trocadilho)
faroeste cibernético, quais sejam, a de Pedro, divulgar seu vídeo e a de Giuliano, que o
vídeo desapareça, é hora de nos debruçarmos sobre a lei 9.610/98, que, por incrível que
pareça, ainda regulamenta os assuntos ligados ao direito autoral no Brasil. Digo “por in-
crível que pareça” pelo simples fato de que a lei é claríssima no que se refere a paródias.
Em primeiro lugar, vejamos onde se encontra a referência ao assunto na lei: Capítulo IV,
“Das Limitações aos Direitos Autorais”. Falar de limitações aqui é estar na fronteira, as
limitações fazem parte daquilo que, em tese seria protegido mas não é. É uma espécie de
muro entre dois vizinhos que não se dão lá muito bem e que não abrem mão do espaço
sobre o qual se assenta este muro.
Nunca é demais lembrar que o direito autoral, conforme apresentado em nosso ordena-
mento, não é a regra, é a exceção. O direito autoral protege a obra e seu autor (ou quem
quer que seja seu titular) desde que cumpridos os requisitos temporais e conceituais exi-
gidos pela lei. Todas as demais obras podem ser usadas livremente.
Então, vamos ao caso. A obra de Renato Russo cumpre os requisitos conceituais e tem-
porais para que seja protegida pela lei dos direitos autorais? Sim, trata-se de obra artísti-
ca, com caráter de originalidade, que foi expressa (não é apenas uma ideia na mente do
criador), e que entrará para o domínio público apenas em 1º de janeiro de 2067, quando
fnda o prazo de 70 anos contados do 1º de janeiro subsequente à morte do compositor.
Ou seja, o titular da obra, a Legião Urbana Produções Artísticas goza de todos os direitos
que a lei lhe garante, quais sejam, aqueles listados no capítulo III da já referida lei, os que
tratam dos direitos patrimoniais do autor. Há, ainda, a proteção de alguns dos direitos
morais do autor da obra que se transmitem aos seus sucessores, como, por exemplo, o
de conservar a obra inédita e o de ter o nome do autor sempre vinculado ao seu trabalho.
Mas o uso de uma obra que preenche todos os critérios exigidos pela lei é protegido em
toda e qualquer situação? Por certo que não. Voltemos ao tema das limitações da prote-
ção ao direito autoral, mais especifcamente ao artigo 47 da lei 9.610 que diz o seguinte:
“São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra ori-
ginária nem lhe implicarem descrédito.”
As paródias estão, como se depreende do texto legal, naquele muro que separa o prote-
gido do não protegido no terreno dos direitos autorais. Já no mesmo artigo o legislador
teve o cuidado de prever dois limites ao limite, a paródia não pode ser mera reprodução
da obra original e nem lhe implicar descrédito.
Quanto ao primeiro, a própria defnição de paródia encontrada em dicionários torna des-
necessário que se fale em reprodução da obra originária. Se é apenas reprodução não é
paródia, logo precisa de autorização do titular dos direitos autorais para qualquer uso
previsto em lei. Quanto a implicar descrédito, só vejo uma possibilidade, a de que a paró-
dia zombasse da própria obra. E em qual destes limites a paródia de Pedro Guadalupe à
canção de Renato Russo se enquadra? Por certo que em nenhum dos dois. Não se trata
de mera reprodução de “Faroeste Caboclo” e nem lhe implica descrédito. Excluídas estas
duas hipóteses, o artigo 47 atesta serem livres as paródias do que se conclui que o conte-
údo não viola direitos autorais e sua retirada (ainda que parcial) da internet, se confgura
em abuso de direito.
Atualmente aguardando apreciação da Câmara, o chamado Marco Civil da Internet es-
tabelece em seus artigos 14 e 15 que o provedor de aplicações de internet só pode ser
responsabilizado civilmente por danos ocasionados por conteúdos produzidos por ter-
ceiros se não obedecer a ordem judicial específca que permita a localização inequívoca
Por Rui Bittencourt