Edson Vidal

O Martírio

Gente, não existe nada pior neste mundo para um pinguço do que uma cela de presídio. É um suplício. Quem é chegadinho numa “branquinha”, ficar longe da”marvada” não é mole não. Fico imaginando uma pessoa que esteja nessa situação, verdade, não tenho pena, mas fico avaliando os transtornos e o pesadelo do infeliz.

Nas minhas elucubrações vejo-me dentro de uma cela, sentado na única cadeira de madeira, vendo a tempo passar bem devagar, quase parando, minuto por minuto. Ah! Um litro, não, não, um copo, não, não, um copinho, não, não, pode ser um golinho de “51”, mas que não demore.

A boca fica sem saliva, a garganta fica seca, o mau humor brota do nada, um suor estranho umedece as palmas das mãos, tudo isso é sintoma claro de que está faltando “combustível” no organismo.

De repente os dedos das mãos parecem dançar freneticamente, sem parar, como bailarinos do Bolshoi. Um tremor percorre a espinha dorsal, o corpo fica em frenesi, trêmulo como um manjar de laranja. Um passo do delírio. E o pior que não adianta gritar; o carcereiro finge que não ouve e o silêncio é irritante. Olho no calendário e vejo que é domingo.

Aí dá mais vontade de beber. Sim, porque sexta, sábado e domingo são dias perfeitos para beber; nos outros dias da semana é bom beber, mas só uma garrafa de pinga por dia. Nada mais! Putz, hoje é domingo e o carcereiro deve estar na janela da Superintendência da Polícia Federal, vendo o movimento da companheirada acampada nas imediações.

Eles estão longe, da minha cela não vejo ninguém e nem ouço ruído algum. 
- Carcereiro! Carcereiro!

Minha voz fez eco nos corredores da repartição policial. Insisti:
- Carcereiro! Apareça, por favor! Carcereiro!

O eco repercutiu em todos os tons possíveis. Lembrei que na História Universal um rei da Inglaterra disse uma famosa frase: “Meu reino, por um cavalo!” E com igual ousadia, bradei:
- Meu reino petista, por uma 51!

Foi quando eu vi o sacana do carcereiro aparecer com um sorriso sarcástico no rosto:
- Não posso atender seu pedido, aqui é uma repartição federal; é proibido entrar bebida alcoólica no recinto!

Implorei, fiz mil e uma ofertas, prometi o mundo e o fundo e não adiantou. O homem era incorruptível! Não aceitou nenhum tipo de favor. Meu coração trepidou, comecei a sentir fibrilação atrial aguda. 
- Por favor, estou morrendo, preciso de um golinho de pinga para não morrer num domingo. 
- Não! O máximo que posso fazer é chamar o médico...
- Faça o favor então, companheiro. Chame o doutor e peça para e trazer um litrão de álcool.
- Álcool? Para que?
- Eu sei que ele vai me aplicar injeção e o álcool é para passar no meu braço, para desinfetar o lugar da picada da agulha.
- E precisa um litrão cheio? Não é muito exagero, não?
- Não, não e não, companheiro. O que sobrar de álcool eu vou guardar no meu armário para outras sessões de possíveis injeções!
- Você não quer beber o álcool, quer? 
- Juro, juro pela alma impoluta do Fidel que não!

Não vou beber nem uma só gotinha...
- Jura?
- Juro!
- Tá, bão, vai chamar o doutor.

Deitei na cama da minha cela e mesmo sendo ateu: rezei! Eu não acreditava no que estava acontecendo: vai sobrar um litrão de álcool só para mim. Que felicidade. Na medida em que o médico estava demorando em chegar, meu estômago roncava, era à falta da “purinha”.

Depois de passar uma hora e meia, eu sem nenhuma saliva na boca, com o suor escorrendo em minha testa, ouvi finalmente a voz do carcereiro:
- O Dr. Fritz chegou!
- Dr. Fritz, o espírita?
- Claro, ele opera, aplica injeção, tira qualquer coisa do corpo humano e faz tudo com as mãos!
- E o garrafão de álcool, perguntei!
- Ele não usa álcool para nada. Eu não falei que não pode entrar álcool na repartição? É por isso que chamei o Dr. Fritz!
- Carcereiro sacana! (Gritei com toda a força dos meus pulmões). Por favor um só gole de 51!
Álcool! Mercúrio Cromo! Desodorante líquido! Perfume! Locão de barba! Licor de Pequi! Combustível de avião! Estou desesperado, quase entrando em surto! Vou enlouquecer! 

E de repente, como um passe de mágica, deixei minhas elucubrações de lado e cai na real. Ufa! Que pensamentos tenebrosos passaram por minha cabeça. Que tragédia, Meu Deus! Eu ia entrar em pânico, quando me dei conta que eu sou abstêmio, não bebo nenhum tipo de bebida alcoólica. Foi daí que eu me lembrei de certo barbudo, que está preso e é chegadinho num “mé”.

Esbocei um leve sorriso, olhei para os meus botões e balbuciei:
- Jararaca, tu tá ferrado!

Só  que agora, eu de tanto  pensar no Luiz Ignácio, não  consigo mais parar de rir! O molusco vai pagar todos os seus pecados no cárcere. Mas vamos e venhamos: ele bem merece,  não é mesmo? 

“Lula e cachaça são sinônimos. São dois opostos que se atraem. Cárcere e pinga não convive junto num mesmo espaço. O Jararaca vai, logo, logo, perder a pose de herói; e é até capaz de fazer delação premiada. Basta mostrar uma garrafa da purinha!”
Edson Vidal Pinto

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