Responsabilidade das empresas, ESG e negócios assimétricos
Impulsionada pelo ambiente de negócios convulsionado pela pandemia, ganhou força nos últimos meses a propaganda em torno da governança corporativa sob a teoria da responsabilidade social da empresa alinhada aos princípios denominados Environment, Social and Governance (ESG). Este movimento global – ou uma espécie de vírus contaminante por sua teoria de definir o que seria o lado bom da força – precisa vir de forma mais objetiva para o tatame. O discurso sobre quais devam ser as responsabilidades das empresas e o que elas perdem se não estiverem alinhadas com o “politicamente correto” ainda está pueril. Esgrime fragilidades, se fundamenta no futuro incerto e insano, omite o todo e se reduz a obrigações a quem pode contratar um polpudo pacote de serviços para ficar bem na opinião pública.
A relação entre governança corporativa e responsabilidade social é estrutural da organização das empresas. A sua função social tem sido aprimorada por força de pressões das relações de trabalho e do aprimoramento de sistemas legais. Sem perder a essência de geração de riqueza e distribuição aos integrantes de sua cadeia de valor. Estabelecendo-se isso como verdade relativa, chamo a atenção para o volume gigantesco de valor detida hoje por pouquíssimas empresas de tecnologia e a forma como chegaram lá. Numa comparação a ser detalhada pela academia, fica a mim a impressão de que, no mínimo, são iguais aos barões capitalistas que a história nos ensina a detestar porque implantaram a indústria do petróleo, do refrigerante, da celulose ou qualquer outra que altere o conceito que se almeje ideal para o meio ambiente. Gastam-se bilhões para desenvolver carros elétricos enquanto milhões de pessoas sucumbem à fome, doenças, perseguições etc. Isso deveria ser uma vergonha para nós, seres humanos.
Na medida em que não se tenha isto na tela, a tendência de levar as empresas para o que se entende como boas práticas nas relações com a sociedade demonstra estar sendo, na verdade, a prática de responsabilizá-las por serem o que são, mesmo agindo de acordo com a lei.
Como os grupos de interesse não conseguem alterar a estrutura normativa da atuação dos negócios formais lutam – de forma legítima, frise-se – uma longa guerra de relações públicas, por corações e mentes daqueles que cresceram sob a égide do desenvolvimento sustentável.
É aqui onde o ambiente real de negócios não foi levado em consideração.
Ao contrário do que se pensa, o desenvolvimento sustentável não se comunicou com toda a economia real. Os negócios assimétricos continuam de fora e cada vez mais firmes em atividades que comprometem o futuro, inclusive da teoria ESG e suas boas intenções.
A adoção de práticas positivas pelas empresas formais em qualquer lugar do mundo não é mérito, mas obrigação. Operam sob regimes legais, repito. Quando pegos na contramão, as desconformidades são apontadas, denunciadas, passam por julgamentos legais e da opinião pública, têm reputação comprometida, e se conseguirem se manter ativas, a concorrência já terá ocupado muito do seu espaço. Isso é capitalismo sangue bom.
Mas as empresas de negócios assimétricos, que vendem produtos e serviços à revelia das normas de convivência social, ambiental e de saúde pública, permanecem fora do alcance das mensagens.
Pondo um pouco de lado o empacotamento de serviços à venda que a ESG expõe, na medida em que se aprofunda o olhar para a questão, chama atenção a preocupação com um canudinho que assola a vida marinha e a pressão para proibi-los nos restaurantes. A opção estilo ESG é nesse caminho. Deveria ser diferente. Ir ao cerne da questão e apurar que o problema está no lixo jogado ao mar, de um lado simplório, por embarcações, muitas piratas e tantas outras legalizadas mesmo; e, do lado complexo, por se jogar lixo diretamente no mar em boa parte de nossa costa e em todo o Sahel africano. Lá como cá não se tem saneamento básico para impedir o despejo de esgoto no oceano.
Antes de empresas, são os governos que precisam de ESG, de governança honesta e intensa pressão social para aprimorar sua atuação. De seus atos, ativos ou omissivos, nasce a força das atividades assimétricas. A gestão pública deve ser mais responsável, eficiente e transparente. Deve, antes de qualquer outra coisa, assegurar os interesses dos cidadãos, garantir-lhes dignidade.
Mas, definitivamente, alguns ativistas investidores empacotaram o desenvolvimento sustentável como um negócio. Puseram de lado o mundo real. É preciso ampliar o foco desse engajamento, dando carga também nas obrigações do Poder Público. Só assim os benefícios da tríade Environment, Social and Governance se estenderão a toda sociedade.
Por Lucas Augustus Alves Miglioli, advogado especialista em Direito Administrativo