Revista Ações Legais - page 30-31

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ARTIGO
Decisão do Supremo é mais
um capítulo do Direito
Penal de emergência
O
Supremo Tribunal Federal, em julgamen-
to do Habeas Corpus 126.292, modificou
posicionamento já há muito consolidado,
permitindo a prisão a partir da decisão de segunda
instância confirmatória da sentença penal condena-
tória. A mudança provocou diferentes reações en-
tre os ministros.
O STF, que deve ser o guardião da Constituição,
muda seu entendimento no tocante à “execução
penal provisória”. Soa estranho a expressão. Mais
estranho é o caminho que a corte maior do país
adota com tal inovação. Ao fim e ao cabo, trata-se
de mais um capítulo na saga — interminável — de
concretização do Direito Penal de emergência. O
consequencialismo assume ares preocupantes...
Vale destacar que a Lei 8.038/90 e o Código de Pro-
cesso Penal, ao dissertarem sobre os recursos ex-
traordinários, não concediam efeito suspensivo a
tais recursos. Contudo, acertadamente, o ministro
Eros Grau, no bojo do Habeas Corpus 90.645, já si-
nalizara a necessidade de trânsito em julgado para a
execução da pena. Eis trecho do (lapidar) voto pro-
ferido pelo ministro:
Nas democracias mesmo os criminosos são sujei-
tos de direito. Não perdem essa qualidade, para se
transformarem em objetos processuais. São pesso-
as, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade. É
inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstân-
cias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente
quando transitada em julgado a condenação de cada qual.
Com a (desacertada) alteração jurisprudencial — se mantida for —, será possível executar a
pena tão somente com a confirmação da condenação em segundo grau. O ajuizamento do
recurso especial e extraordinário não tem mais o condão de impedir o encarceramento do
acusado. Rasga-se a garantia da presunção de inocência, pois se permite o cumprimento de
pena ainda em discussão.
Umdos argumentos utilizados no bojo do julgamento do Habeas Corpus foi a necessidade de
atendimento ao clamor popular, ou seja, sob o fragilíssimo e perigoso argumento de que é
preciso “ouvir a sociedade”, o Supremo Tribunal Federal (guardião da Constituição) malfere
garantias constitucionais. Interessante que, no STF, recentemente se ouvia que um dos pa-
péis da democracia é, justamente, ser, em determinadas situações, contramajoritário.
E, no processo penal, se for para sempre ouvir a sociedade... Quiçá voltaremos às ordálias e os
juízos de Deus, ou, ainda, à pena do suplício do mel...
Pois bem.
A presunção de inocência assegura tratamento do Estado, tanto do ponto de vista endopro-
cessual quanto extraprocessual. Contudo, a presunção de inocência deve ser um norte cons-
tante, seja para o Legislativo ao elaborar as leis, seja para o Judiciário ao tratar dos casos con-
cretos.
Assim, a liberdade, em hipóteses excepcionais e graves, pode ceder lugar à garantia de ou-
tros bens jurídicos. A prisão preventiva (desde que fundamentada, justificada e não utilizada
comomoeda de troca) é umexemplo cristalino da necessidade de se relativizar (jamais recha-
çar), em situações excepcionalíssimas, a presunção de inocência. Por outro lado, ao prever
que todo acórdão que mantém decisão condenatória em segundo grau permitirá execução
provisória da pena, viola-se, ex ante, garantia fundamental do réu, antes de tudo, cidadão.
Ora, como uma decisão, ainda que colegiada, pode dar azo à execução provisória? Mais que
isso: eticamente, do ponto de vista dos deveres do Estado, cabe ao Estado executar provi-
soriamente uma pena? Com as devidas e necessárias licenças, da maneira como se coloca o
novo entendimento, parece que se está a falar de processo civil, que se está tratando de pa-
trimônio, de querelas civis, não da liberdade física e psicológica do cidadão. E como ficarão as
hipóteses de julgamento de ações originárias com condenação em primeiro juízo?
Se valer da possibilidade de prisão preventiva para justificar a mudança jurisprudencial é
Por Gamil Föppel El Hireche e Pedro Ravel Freitas - - Fotos: divulgação
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