Revista Ações Legais - page 32-33

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minimamente contar uma meia verdade para a sociedade. Isso porque a prisão preven-
tiva (processual) é medida que se impõe para salvaguardar o processo. O neoposiciona-
mento do STF não se refere ao processo, mas ao próprio direito de punir do Estado. Se
permitirá executar a pena, mesmo pendente recurso especial e recurso extraordinário.
Vale advertir que o recurso especial se destina à discussão da lei federal (infraconstitu-
cional). Ou seja, embora não caiba discutir conteúdo fático, resta ainda todo o arcabouço
jurídico para ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça.
No caso do recurso extraordinário, é possível, malgrado não cabível discussão fática, atacar
todos os aspectos constitucionais do processo criminal. Assim, pode-se arguir a inconstitu-
cionalidade de determinada lei ou determinado ato adotado durante a marcha processual.
Interessante notar que o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal con-
traria a tradição garantista da corte. Para além disso: contraria a tradição democrática
da corte. Isso porque o artigo 5° da Constituição da República é mais do que claro ao se
referir à presunção de inocência.
Do ponto de vista garantista, a famigerada “execução provisória da pena” tão somente
poderia ser levada a cabo caso favorecesse o réu: em caso de prisão preventiva necessária,
excepcional e fundamentada, e fazendo jus à concessão de benefícios previstos na LEP, de-
veria, a despeito de existir recurso pendente, aplicar-se os direitos subjetivos dos réus. Fora
daí, não havendo necessidade de custódia cautelar, não haveria porque se aplicar qualquer
desses institutos, tendo em vista a necessidade de se resguardar o fator libertatis.
De certa forma, a prevalecer o novo entendimento do STF, caminha-se, perigosamente,
para a diminuição da importância conferida aos recursos extraordinários. Argumentos
utilitaristas não servem ao processo penal, ao menos enquanto vivermos em um Estado
Democrático de Direito. Justificativas como a impunidade e a demora no julgamento dos
recursos não são idôneos para o debate. Ao fim e ao cabo, a ineficiência estatal não pode
servir de justificativa para o malferimento de garantias básicas do cidadão. Se o problema
é a demora para o julgamento, que se criemmeios de, respeitando as regras processuais,
acelerar o julgamento; não é crível que se prenda alguém ao argumento de que há uma
(de)mora no julgamento dos chamados recursos nobres.
Uma linha adotada pelos defensores da execução provisória diz respeito à alta probabili-
dade de que, depois do acórdão condenatório em segundo grau, seja o réu, de fato, cul-
pado. Pensa-se mais ou menos assim: “Bem, se o réu foi condenado em primeiro grau de-
pois de todo um processo, se o tribunal confirmou essa sentença, muito provavelmente
esse réu é culpado”. Matematicamente, esse pensamento pode ser até razoável. Porém,
a Constituição da República não se pauta em aritmética ou estatística. A presunção de
Por Gamil Föppel El Hireche, advogado
e professor; e Pedro Ravel Freitas dos
Santos, advogado e pós-graduando em
Ciências Criminais
inocência não é um direito que vai diminuindo ao longo do processo. A presunção é cons-
tante, onipresente, inabalável. Só existe um elemento que afasta a presunção: sentença
penal transitada em julgado.
As lições básicas de processo dão conta de que o trânsito em julgado somente ocorre
com o julgamento do último recurso possível. Assim, impossível afastar a presunção en-
quanto pendentes os recursos extraordinários. Ou então, sejamos coerentes nos deva-
neios processuais e proponha-se logo a extinção dos recursos, via emenda constitucional
(se possível for, afinal de contas, a insegurança jurídica dos últimos tempos não permite
mais que se assevere o que se pode e o que não se pode mais fazer).
Paulo César Busato constatou acertadamente que a evolução do Direito Penal não é uni-
forme, mas pendular, não se marcha sempre em direção à consagração de direitos indivi-
duais das liberdades e diminuição do punitivismo. São suas palavras:
“Visto de um distanciamento histórico, é possível perceber que a evolução do Direito Pe-
nal consiste em sua progressiva diminuição e, por conseguinte, da fixação de limites pau-
latinamente mais amplos para a liberdade dos indivíduos. Entretanto, não se pode negar
que este movimento de diminuição não é uniforme, mas sim pendular. A história mostra
que o fluxo permanente de diminuição de intervenção penal não ocorre sem sobressaltos
em direção a modelos que bem podem ser qualificados de modelos de intolerância. Temo
estarmos diante de um destes ‘soluços’ históricos”.
A execução provisória tão útil no campo civil (extrapenal) parece ser verdadeira aber-
ração no Direito Penal. Basicamente porque o processo penal cuida de dois bens irrecu-
peráveis: o tempo e a liberdade. Ora, no campo cível, caso se execute provisoriamente
determinada quantia e, ao final do processo, se perceba o equívoco inicial, a reparação
é simples: devolve-se o valor, corrigido monetariamente. Claro que tal equívoco causará
perturbação e certa dor de cabeça ao réu. Contudo, na esfera penal, uma vez iniciada a
execução da pena, caso esta seja revertida, como reparar o erro? Ou seja, e se o cidadão
for, em sede de recurso especial ou recurso extraordinário, declarado inocente?
Winter is coming... Muitas outras tardes tristes virão, ministro Marco Aurélio. E, infeliz-
mente, Bernardo Guimarães estava errado quando falava em inocência...
ARTIGO
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